quinta-feira, 6 de agosto de 2009

The Wild World of Hasil "Haze" Adkins


The Wild World of Hasil "Haze" Adkins é o nome do documentário sobre a vida de Hasil Adkins. Adkins é uma daquelas preciosidades do rock and roll esquecidas no meio do caminho. Mas vou ficando por aqui, leiam o texto de Abonico seguido de uma entrevista com Marco, do finado Butchers Orchestra, publicado há uns anos atrás no site Mondo Bacana (http://www.mondobacana.com/) e saibam um pouco mais sobre essa lenda feita de fúria e rockabilly.













Carne, café e espírito selvagem
Hasil “The Haze” Adkins viveu até o dia 28 de abril em um trailer ao lado da mesma casa que nasceu e nunca abriu mão de tocar uma música apaixonada, agressiva e verdadeira. A causa de sua morte permanece desconhecida, mas ele deixou órfãos grupos como os Cramps, Demolition Doll Rods e Jon Spencer Blues Explosion. George Araújo desvenda o universo demente e fascinante deste intrigante senhor que mal sabia a sua idade.

Adkins compunha desde a década de 50 mas gravou poucos discos.

A história é velha e todos já devem ter conhecido alguém na mesma situação: perdido em um quarto ou em um interior qualquer dos quintos dos infernos, está simplesmente uma pessoa genial e sem instrução alguma fazendo coisas inimagináveis a partir do nada. Essa pessoa improvisa, contorce e distorce o senso comum justamente por voltar ao básico da maneira mais boba possível. É aí que reside a sua genialidade.

Hasil Adkins foi essa pessoa. Nascido e criado nas colinas americanas de Madison, West Virginia, este senhor que mal sabia a própria idade [afirmava ter 67 anos, aproximadamente], condenou todas as almas que escutaram sua música à inquietação eterna. Compondo desde a década de 1950, sabia de cor mais de nove mil canções [apenas 25% eram covers!] e executava todas elas com fúria e paixão nunca vista antes no pretensioso showbiz americano.

Enquanto caçava galinhas e animais silvestres, Hasil se divertia em inventar as mais absurdas histórias envolvendo sexo, decapitação, danças esquisitas e órgãos governamentais. Todas essas histórias aliadas aos hormônios em fúria e rock’n’roll clássico transformaram-no em uma nervosa banda-de-um-homem-só – ele cantava, tocava violão, gaita e bateria simultaneamente.

Adkins traduziu sua realidade em música. Gemia e assobiava e rosnava até para quem não quisesse ouvir. Ele aparentemente não vivenciava as coisas com uma pessoa comum e conseguia partir da mais descabida alegria para um imenso mar azul e triste – isso gritava dentro dele. Seu grito foi tão forte que causou a metamorfose do manso rockabilly em um peçonhento e ultradivertido psychobilly, mas para isso foi necessário um tempo.

Foram quase duas décadas desde o lançamento de “My Baby Loves Me”, seu primeiro single, para conseguir algum reconhecimento. Nem mesmo Richard Nixon, presidente americano na época, escapou de receber algumas fitas. A obscuridade total durou até os Cramps gravarem uma versão para “She Said”. Essa música catapultou o adulto Hasil à condição de cult e fez com que um single feito em 1964 fosse confundido como uma produção do início dos anos 80. Na velha casa da colina, porém, nada mudou e Adkins ficava alheio ao que se passava. Foi preciso que dois fãs criassem um selo para gravar seu primeiro álbum.

Nasce um selvagem
The Wild Man foi gravado em 1984 e lançado dois anos depois pela Norton Records. O álbum traz baladas sangrentas como “Turn Off a Memory” e nervos expostos do naipe de “Chicken Flop”. Provavelmente o maior problema desse disco para o grande público era a execução das músicas. Levando-se em consideração que sua carreira até então tinha sido marcada por singles mal gravados [além de viciado em café, vodca e carne crua, Hasil Adkins tinha o péssimo hábito de não cuidar de seus registros originais], comercialmente ele fora um fracasso. Mas a pedra-fundamental havia sido lançada. Partindo deste ponto, Billy Miller e Mirian Linna [primeira baterista dos Cramps e co-fundadora da Norton] selecionaram diversas músicas compostas pelo Selvagem entre 1961 e 1976 para transformar em bolachas.

Então a história mostrou mais uma vez que é cíclica. Tal qual um certo Velvet Underground, poucos compraram os discos de Hasil, mas todos que o fizeram montaram uma banda. Daí para frente, as coisas foram acontecendo de tal maneira que ele abriu um show do Public Image Limited em Nova York, ainda em 1986. Os dados sobre sua discografia divergem, mas são creditados a ele 15 álbuns, 23 singles e dois EPs.

Sua selvageria e tristeza singraram os mares e invadiram corpos de jovens espalhados por todo o globo. Na Europa, pessoas que figuram o selo übercool Voodoo Rhythm realizaram um festival apenas com bandas-de-um-integrante-só. Tal festival contou com a presença do próprio Hasil Adkins mais Margaret Doll Rod, Rev. Beatman e DM Bob, entre outros.

Açougueiro solitário
Aqui no Brasil, encontramos no paulista Marco Butcher [frontman do Thee Butchers Orchestra], que tocou no festival citado acima] as sementes da música selvagem plantada por Hasil, o homem-selvagem. Marco lançará no segundo semestre um disco como one-man-band, chamado Skull Santa In All About Girls. Segue abaixo uma pequena entrevista com o açougueiro, sobre a condição de músico solitário.

Você lembra ou imagina o que passou pela sua cabeça na hora que ouviu pela primeira vez uma música do falecido Hasil? E como foi tocar nesse festival em que ele participou?
Bom, ganhei um disco dele de presente do Danny Doll Rod, que sempre foi muito fã dele. Me lembro de ter achado tudo aquilo muito primitivo e cru, assim como a maioria das coisas que sempre achei legal ouvir. Afinal, a música feita por ele sempre foi supersimples e bem calcada no blues. Tocar nesse festival foi bem legal. Primeiro porque tive a chance de ver muita gente boa tocando ao vivo, depois porque é uma forma de manter a tradição do blues viva e mostrar que a musica blues não é aquela coisa chata feita por BB King ou outros que se deixaram urbanizar e perderam seu link com o primal.

Hasil Adkins teve efetivamente alguma influência na sua performance de palco ou mesmo nas composições?Não saberia dizer se tive ou não, de forma direta, alguma influência de Adkins em minha música. Acho que isso acabou acontecendo de uma forma mais ligada à atitude de estar no palco totalmente só. Ou seja, sem uma banda.

O que lhe motivou a se "tornar" uma banda-de-um-homem-só?Acho que o principal motivo é a possibilidade de estar fazendo free music. Self-expression fulltime, entende? Digo, sem uma forma ou uma ordem. Às vezes mudo a música e os refrões no ultimo segundo, de acordo com meu humor. Isso traz para minha música uma liberdade única.

Você disse em outro momento que era uma questão de atitude. Que atitude seria essa?
Bom, quando falo de atitude, eu me refiro ao lance de estar só em cima do palco. A maioria das pessoas fica em casa reclamando que não consegue montar a banda perfeita ou que ainda não encontrou aquele baixista. Eu não espero ninguém. Se tenho algo a dizer, digo. E isso é que faz o lance de ser uma one-man band. Você não depende da vontade dos outros de estar em uma banda. Acho que isso, sim, seria a coisa mais punk, saca? Tipo, você fazendo seu lance e dando a cara para bater. Sem desculpas, sem maquiagem, sem tecnologia. Só você, sua guitarra, seu bumbo e Deus: o espírito do gospel yeah yeah sound.

Como se sente em gravar um disco com essa proposta mais intimista sabendo que o Brasil não tem essa cultura de respeitar a música pela música?
Não acho que meu disco seja mais intimista do que qualquer outro que já gravei com os Butchers. Afinal, não se trata de um disco acústico, nem nada. Ele é supersujo e barulhento como os outros. Só que todo esse poder é provido por uma pessoa só e isso faz a diferença. É claro que o fato de eu estar mais voltado para o swamp blues traz climas mais escuros pra minha música, mas não chega a ser mais intimista. Todo o swing e soul necessários para um bom boogie são encontrados nesse disco. [GA]

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